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06/08/2008 | OS OFICIAIS DE JUSTIÇA NO BRASIL

OS OFICIAIS DE JUSTIÇA NO BRASIL
Parte I – Período Colonial
Vera Agrello

Um Pouco de História…
A aplicação da Justiça, desde os primórdios da colonização portuguesa na América, foi uma das preocupações essenciais da Coroa.
O Brasil foi descoberto sob a égide das Ordenações Manuelinas, codificação que D.Manuel I promulgou em 1521, em substituição às Ordenações Afonsinas (1456). Em 1514 faz-se a primeira edição completa dos cinco livros das Ordenações Manuelinas. A versão definitiva foi publicada em 1521. A principal diferença entre ambas reside no fato de que as Ordenações Manuelinas apresentaram-se redigidas em estilo mais conciso. As Ordenações Manuelinas foram substituídas em 1603 pelas Ordenações Felipinas, as quais vigoraram durante quase todo o período colonial brasileiro.
Felipe I, de Portugal (ou Felipe II, da Espanha), promoveu, na terra portuguesa, vários atos de repercussão para o Direito. Visando aprimorar a distribuição da Justiça e, ainda, considerando que havia muitas leis extravagantes, das quais nem os julgadores nem as partes delas tinham conhecimento, determinou o Regente a compilação dessas, embora tenha falecido antes da conclusão dessa obra.
As Ordenações Felipinas traziam cinco livros: no Livro I, tratava-se dos magistrados e dos oficiais de justiça; no Livro II, trazia-se a disciplina da relação entre a Igreja e o Estado; no Livro III, o processo civil; no Livro IV, a matéria relativa às coisas e às pessoas, no Direito Civil e no Direito Comercial; no Livro V, a matéria penal.
No Brasil, a organização burocrática dos municípios teve realmente início com a promulgação das Ordenações Felipinas, que prevaleceram, em Portugal, até 1867 e, no Brasil, até 1916, quando se deu a promulgação do Código Civil Brasileiro.

NO INÍCIO FEZ-SE O MEIRINHO...
O Oficial de Justiça é uma das funções mais antigas da história. Seus antecessores foram o executor do processo Justiniano, e os saiões e meirinhos do velho processo português. No antigo direito lusitano, o Meirinho-mor (Livro I das Ordenações Felipinas – título 17) era o chefe dos Oficiais de Justiça de então, sendo que tinha a seu cargo o Meirinho da Corte, que devia ser escudeiro de boa linhagem e cujas atribuições estavam previstas no título 21 do mesmo Livro I:
“2...será obrigado correr de noite o lugar,em que Nós stivermos, àquellas horas, que per o Corregedor da Corte lhe for ordenado, e com elle irá sempre hum Scrivão.
3. E irá fazer execuções de penhora, quando lhe for mandado pelo Corregedor, ou per outro algum Julgador com o Porteiro e Scrivão.
... E quando for fazer a dita diligencia fora do lugar e seus arrabaldes, levará para si e para seus homens o que lhe for arbitrado pelo Regedor.”
Havia, ainda, a função do Meirinho das Cadeias (título 22 do Livro I), “... ha de star na Relação (Tribunal de Relação) todos os dias, que se fizer prestes para fazer o que cumprir a seu Officio, e lhe mandarem, de prender e trazer presos, e qualquer outra cousa, que a bem da justiça cumprir. E haverá mantimento para si e para doze homens, que com elle andarão...”
No processo de execução, surge a figura do Porteiro. Quando a execução ultrapassava a quantia de mil réis, o Julgador mandava executar por um Tabelião ou Escrivão, que levava consigo o Porteiro, o qual efetuava as penhoras. Caso a execução não ultrapassasse ditos mil réis, a penhora era feita somente pelo Porteiro, sem a presença do Escrivão.
Consta, ainda, do Livro I, título 90: “Que não haja Porteiros speciaes para fazer as execuções nos lugares, onde houver Mordomos”. Mordomo era o antigo nome dado aos Oficiais de Justiça, cujo emprego importava em citar as partes e fazer execuções.
Nota-se, portanto, que havia uma multiplicidade de cargos para exercer as atuais atribuições do Oficial de Justiça. Houve uma fusão de cargos e a unificação do exercício das tarefas.
Curioso também é observar do uso de armas no cumprimento de mandados judiciais, conforme título 57 do Livro I das Ordenações:
“Ordenamos que todos os Tabelliaes das Notas... e Meirinhos dante elles, cada hum destes seja obrigado a ter, e tenha continuadamente comsigo couraças e capacete, lança e adarga (escudo oval de couro), para quando cumprir nas cousas de seus Officios e por bem da Justiça com as ditas armas servirem...sob pena de qualquer destes, assi da Justiça, como da Fazenda, aqui declarados, que as ditas armas não tiver, perder por o mesmo caso seu Officio, para o darmos a quem houvermos por bem.”

Enquanto Isso no Brasil…
A partir de 1548 estruturou-se, em suas linhas básicas, a administração judicial na Colônia Brasileira. Já, neste momento, uma série de funcionários exerciam suas funções de auxiliares da Justiça, como Escrivães (para escrever os autos dos processos), Tabeliães (para garantir a validade dos documentos) e Meirinhos (para fazer diligências e prender os suspeitos).
Vejamos o levantamento histórico da função do Oficial de Justiça, segundo pesquisa realizada na obra FISCAIS E MEIRINHOS – A Administração no Brasil Colonial (Coordenação de Graça Salgado, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1985):
1532 – ALCAIDES-PEQUENOS – Cargo criado no ano de fundação de São Vicente. Era escolhido pela Câmara, sendo requisito ser “homem bom” e casado na cidade, vila ou lugar. Era um Oficial de Justiça encarregado de defender a autoridade judicial local, policiando dia e noite as cidades de vilas, prendendo por mandado dos juízes ou em flagrante delito, trazendo presos às audiências perante os juízes.
1532 – PORTEIROS - Também escolhidos pela Câmara, sendo suas atribuições fazer penhoras onde residirem e nos lugares próximos, bem como apregoar as deliberações da Câmara.
1534 – MEIRINHO – Criado em 10 de março de 1534, por nomeação do capitão-mor (donatário), sua atribuição era auxiliar o ouvidor ou os juízes ordinários nas funções de justiça. (Carta de doação da Capitania de Pernambuco a Duarte Coelho)
1548 – MEIRINHO DA ALFÂNDEGA – Criado em 17 de dezembro de 1548, suas atribuições eram fiscalizar a entrada, o carregamento e a saída de embarcações no porto, bem como fazer diligências como os demais Meirinhos.
1580-1640 – São acrescidas as seguintes atribuições ao cargo de MEIRINHO: fazer execuções, penhoras e demais diligências necessárias à arrecadação da fazenda dos defuntos, caso o provedor dos Defuntos e Ausentes assim o determine. (Regimento dos Provedores, Tesoureiros e Oficiais das Fazendas dos Defuntos e Ausentes, de 10.12.1613)
1603 – MEIRINHO (DO PROVEDOR DAS MINAS) – Cargo criado em 15 de agosto de 1603, sua atribuição era executar as diligências necessárias em coisas tocantes às minas, segundo as ordens do provedor de minas. (Regimento das Terras Minerais do Brasil)
1751 – MEIRINHO DA RELAÇÃO e MEIRINHO DAS CADEIAS – Criados em 13 de outubro de 1751, e nomeados pelo Governador, sua atribuição era acompanhá-lo ao Tribunal de Relação. (Regimento da Relação do Rio de Janeiro)
Em resumo, até a fase colonial, a justiça brasileira atribuía ao Oficial de Justiça funções ora policiais, ora fiscalizadoras, sendo, ainda, agentes importantes na manutenção da ordem e disciplina do foro.

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